
O anúncio de que o INSS passará a exigir comprovação biométrica para todos os novos pedidos de benefícios reacende um tema que nunca sai do debate público: a burocracia brasileira. A promessa é nobre — combater fraudes, proteger o dinheiro público e modernizar o sistema. Mas, como quase sempre acontece, o peso dessa modernização recai principalmente sobre quem menos tem condições de lidar com ela.
É importante dizer: fraude existe, custa caro e precisa ser combatida. O Estado tem o dever de garantir que o recurso chegue a quem realmente precisa. O problema não é o objetivo — é o caminho escolhido.
Uma inovação que nasce ultrapassada
A exigência de biometria poderia fazer sentido se o Brasil ainda vivesse em um cenário analógico, de fichas de papel e arquivos empoeirados. Mas é exatamente o contrário. O país possui hoje um dos ecossistemas digitais públicos mais avançados do mundo: o Gov.br concentra milhões de dados, integra sistemas federais, estaduais e municipais, e já permite — inclusive — prova de vida automática para muitos aposentados, baseada no cruzamento de informações.
O que muitos se perguntam é: se o governo já sabe quando o idoso vacinou, usou o SUS, renovou a CNH, declarou imposto de renda ou acessou o aplicativo Gov.br, por que ele ainda precisa se deslocar para provar que está vivo ou emitir um novo documento?
Em outras palavras, o Brasil já possui tecnologia suficiente para simplificar. O que falta, então, é vontade política ou coordenação institucional.
O custo da burocracia para quem mais precisa
A nova regra não afeta quem já recebe benefício — o que alivia parte da preocupação imediata. Mas afeta quem vai solicitar. E quem solicita benefício do INSS, via de regra, é quem está em situação de vulnerabilidade: trabalhadores recém-adoecidos, famílias que perderam um ente querido, mães buscando salário-maternidade.
Para muitos desses cidadãos, emitir a nova Carteira de Identidade Nacional significa gastar com transporte, enfrentar filas, agendar atendimento e, em alguns estados, esperar meses para conseguir o documento.
Não se trata apenas de procedimento; trata-se de realidade social.
A eterna contradição brasileira
Talvez a maior frustração nem seja a biometria em si, mas o contraste que ela evidencia:
o cidadão enfrenta regras cada vez mais rígidas para acessar recursos básicos, enquanto os grandes desvios de dinheiro público seguem acontecendo sem tanta dificuldade.
O Estado se arma contra o aposentado, o doente, o trabalhador comum — mas se mostra muitas vezes ineficiente para vigiar contratos milionários, licitações suspeitas e redes sofisticadas de corrupção. O combate à fraude no benefício de um salário mínimo é implacável; já o combate ao desvio bilionário, nem sempre.
Um país que precisa inverter prioridades
A digitalização deveria significar facilidade, não obstáculos. A tecnologia deveria aproximar o serviço público do cidadão, não criar novas barreiras.
A solução não está em exigir mais documentos, mas em integrar os que já existem. Não está em pedir mais comprovações, mas em usar dados que o próprio governo coleta diariamente. Não está em obrigar o idoso a provar que está vivo, mas em fazer o Estado “pensar junto” e automatizar o que pode ser automatizado.
O Brasil não precisa de mais burocracia. Precisa de mais inteligência administrativa.
Se o objetivo é combater fraudes, que se façam auditorias robustas, integração de bases de dados, monitoramento sistêmico — não que se crie mais uma etapa para o cidadão cumprir, como se cada pessoa fosse suspeita até provar o contrário.
No fim das contas…
A biometria pode até ser inevitável no futuro, mas não precisava ser mais um obstáculo no presente. O Estado brasileiro deveria confiar mais na tecnologia que já possui — e menos na cultura do carimbo e da exigência redundante.
Porque, para o cidadão comum, a sensação é clara: não falta tecnologia; falta facilitar a vida de quem depende dela.
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